Categoria: Economia

A Casa José Araújo, no singular

Poucas coisas lembram tanto o passado de Pesqueira quanto a Casa José Araújo, no singular mesmo; no singular porque foi a primeira e durante anos a única loja do que depois se tornaria uma grande rede.
Seu Bianor e seu Joaquim
José Araújo e Albuquerque, conhecido largamente como José Araújo, nasceu em 19 de março de 1870. Ele era filho do major Tomás Araújo e Albuquerque e dona Guilhermina Filoteia de Melo e casado com Maria Belas Magalhães, chamada de dona Santa.
Era uma época pré-industrial quando se sobressaia em Pesqueira o comércio, então seu motor de desenvolvimento. Muitas famílias vinham de outros lugares para cá e foi assim com a família de José Araújo, que migrou do Brejo da Madre de Deus para a promissora terra ao pé da serra do Ororubá, onde com espírito empreendedor ele abriu, em 1890, no dia de São José, sua lojinha de tecidos a qual deu o singelo nome de Casa José Araújo.
Como sabemos, a pequena loja era concorrente do Bazar Pesqueirense (esta de 1870, depois loja Tito Rego), e posteriormente da Loja Santa Águeda (de seu Cazuzinha Maciel), mas devia haver outras, pois era tempo de quando quase tudo o que se precisava tinha de ser feito a mão e individualmente.
A Casa José Araújo foi o empreendimento mais duradouro de Pesqueira, tendo funcionado ininterruptamente por 106 anos, de 1890 até 1996, quando fechou as suas portas. Foi mais que a Fábrica Peixe, que fechou logo após completar 100 anos. Foi mais de um século vestindo os pesqueirenses, enfeitando e equipando suas casas, já que depois produtos de outras linhas foram incorporados ao negócio: eletrodomésticos, decoração, etc.
Casa José Araújo em 1939
A marca José Araújo cresceu bastante, alcançou primeiro as pequenas cidades vizinhas de Pesqueira, depois parte do Nordeste e até alguns lugares no Sul do País. Àquela altura o nome já era literalmente plural: “Casas José Araújo”, e esteve presente, dentre outras cidades em: Maceió, João Pessoa, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Havia unidades em várias cidades do interior nordestino, em Recife havia em vários endereços. No total foram dezenas de filiais: um fenômeno.
Impossível não lembrar também das campanhas publicitárias produzidas pela Itaity Publicidades para a tevê, algumas tendo se tornado clássicos imortais como os comercias das bonecas de pano (“As coisas do meu Nordeste são bonitas de lascar…”), a do carnaval (“Eu quero a minha mãe, onde ela está?…”) e de N. Sra. da Conceição (“Senhora da Conceição, minha mãe, minha rainha…”). Houve também um comercial em homenagem aos 100 anos de Pesqueira, veiculado em 1980.
Atualmente o prédio de José Araújo ainda existe em Pesqueira, tanto a parte inicial, menor, quanto a parte ampliada, onde ainda, embora por baixo de painel de uma nova loja, existe o letreiro original no singular: “Casa José Araújo”.
É justo lembrar também da solidariedade da família Araújo, especialmente na pessoa de seu José Araújo Filho, que manteve durante décadas o lar dos idosos que levava o nome de sua mãe, além disso, o cuidado que ele tinha com o jornal Nova Era, dirigido pelo Pe. José Mariai. Embora já morando há muito tempo em Recife, seu Zé Araújo Filho nunca esqueceu de Pesqueira e de suas raízes.
Falar sobre a história local, sobre um lugar tão próximo de nós, faz com que nossas emoções se misturem a pesquisas e documentos históricos; em alguns casos se torna inevitável. Assim, é impossível falar de Zé Araújo e não lembrar de seu Joaquim e seu Bianor, creio que as duas figuras mais tradicionais em toda a história da empresa.
Seu “Joaquim da Loja”, como era chamado, dedicou impressionantes 66 anos de sua vida à empresa. No informe de Luiz Nevesii, em 1980 ele recebeu de José Araújo Filho uma homenagem pelos 50 anos de trabalho na loja, no entanto, como sabemos, ele permaneceu trabalhando lá 16 anos mais, até o fechamento. Seu Joaquim, falecido em 1º/02/2002, estaria hoje com 99 anos de idade.
Seu Bianor, não menos marcante que seu Joaquim, entrou em José Araújo em 1939, pouco depois do colega, formando a dupla mais duradoura e brilhante que o comércio de Pesqueira já viu. Creio ser esse um caso, senão único, bastante raro no País.
Busto de José Araújo, em Pesqueira
O atendimento, fui testemunha, era do jeito que o povo gosta, o cliente era sempre o foco do negócio, talvez por isso tenha alcançado tamanho sucesso. A loja era aconchegante, os vendedores simpaticíssimos, tenho a impressão que eram escolhidos a dedo. Todos bem alinhados, de camisa e gravata, sempre prontos a vender o melhor corte Zé Araújo. Sem dúvida os tecidos foram os produtos mais marcantes e o carro chefe da loja.
Passar em frente ao antigo prédio e não sentir saudade, só para quem não conheceu a loja Zé Araújo. Ainda hoje tenho na memória a figura dos vendedores junto aos cortes de tecido (especialmente Carlos, hoje taxista), do senhor que nunca soube o nome (pai de Laudivan, ex-colega do CERU), mas que mantinha a loja sempre impecável, e de seu Joaquim e seu Bianor na porta, mirando o tempo. Bons tempos.
Hoje a marca se mantém viva na Estrada do Arraial, em Recife, guardando o mesmo padrão de qualidade que lhe fez fama e proporcionando a alegria dos que tiveram o privilégio de conviver com a loja especialmente em Pesqueira, pois tenho certeza que para nenhuma outra cidade ela foi tão importante quanto. Contamos agora seus 123 anos. E que venha mais um século, pois seu Zé Araújo merece!
Pesqueira, 19/03/2013.
Dia de São José.

Marcelo Oliveira do Nascimento.
FONTES:
iSilva, José Maria da. José Araújo – Não se descarte a memória. In Pesqueira Notícias, de fevereiro de 1997.
iiNeves, Luiz de Oliveira. Caçuá de Lembranças. Ed. do autor/CEPE. Recife: 1981, pg. 43.

Este artigo pertence ao Pesqueira Histórica.

O Pioneirismo de Dina Doceira

A fábrica Peixe em Pesqueira dispensa apresentações. A  empresa fundada em 1898 pelo casal Carlos e Maria Brito, durante 100 anos, foi a maior referência da cidade. Evidentemente este é um capítulo especial de nossa história que merece uma matéria a altura. No entanto, essa pequena – mas importante – nota é pela memória da mulher que foi uma das responsáveis pelo sucesso do empreendimento.
No já distante Século XIX, ainda na época do Império do Brasil, vivia em Pesqueira, num lugar afastado do centro, nas imediações do caminho para a fazenda Barra, uma senhora chamada de dona Negu. Ela tinha um pequeno fabrico caseiro de doces de goiaba que fazia enorme sucesso na localidade. Dona Negu era mãe de Dina da Conceição, Maria Frecheiras e Maria Emília. E foram as três que herdaram da mãe a pequena fábrica e também o conhecimento para produção dos doces.
Na verdade o produto era de fabricação artesanal, feitos em tachos comuns e mexidos a mão. Inicialmente tinham forma de barra, de cor escura, açucarado, de corte um tanto difícil, mas de gosto bastante apreciado pela população. Eram vendidos em fôrmas de madeira. Isso é o que nos conta Luís Wilson em Ararobá, Lendária e Eterna (Pesqueira, 1977). No entanto, diz-se que dona Dina conseguiu transformar o doce no que conhecemos hoje, em cor e consistência. O que era opaco tornou-se rosado e translúcido. Se já era saboroso, tornou-se também macio e de boa aparência.

Dina Doceira
Acervo do Museu Luís Neves
Nessa época as três irmãs começaram a vender os doces em latas feitas pelos funileiros da cidade, já que a nova consistência não permitia o corte em barra. Ainda segundo Luís Wilson, a demanda aumentava de uma forma que elas não conseguiam dar conta dos pedidos.
Depois, dona Maria Frecheiras deixou Pesqueira e foi morar em Palmares, lá se dedicando também à fabricação de doces.   Ainda no Século XIX dona Dina passou a trabalhar na casa de dona Maria Brito e para lá levou sua arte. Isso ocorreu por volta de 1897, no mesmo ano que o casal Brito mudou-se do centro da cidade para o chalé construído na antiga “Estrada de Sanharó”. No ano seguinte estava fundada a Fábrica M.B. (Maria Brito), que mais tarde seria conhecida nacional e internacionalmente como Fábrica Peixe.
A importância de dona Dina Doceira para a cultura do doce em Pesqueira é evidente. A pequena fábrica que mantinha em família com a mãe e as irmãs representa o começo dessa tradição, já que não conhecemos registro mais antigo sobre a produção de doces na cidade. O fator principal para o sucesso alcançado foi sua fórmula para transformar  o produto no que conhecemos hoje como padrão.
Dona Maria Brito foi uma mulher de vanguarda, corajosa e empreendedora, mas muito deve ela a dona Dina, que foi o elo de ligação entre a pura arte manual e a modernidade da indústria. Em tudo dona Maria Brito foi inteligente, até em saber a quem ter por companhia.
Marcelo O. do Nascimento
Fontes:
WILSON, Luís. Ararobá, Lendária e Eterna. Pesqueira: Prefeitura Municipal, 1980.

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