Categoria: Velhos lugares

Os Suíços de Papagaio

Foto: Eri Martins

As informações mais antigas sobre Papagaio, hoje distrito de Pesqueira, dizem respeito a Constant Duvoisin, natural de Granson, na Confederação Helvética. Migrando para o Brasil, o suíço instalou-se primeiro em São Bento, depois se mudou para Papagaio, onde se casou, formou família e viveu até sua morte em 26 de setembro de 1882.
Algumas notas genealógicas soltas na internet indicam que ele teria vindo para o Brasil em 1859, mas não encontramos documentos que validem tal informação. O certo é que, em certa época, o senhor Duvoisin comprou a fazenda Papagaio, propriedade que leva o mesmo nome do rio que corre naquela região. Não sei se na época da compra já se tratava de fazenda constituída ou apenas uma porção de terra que foi por ele transformada em fazenda.
Provavelmente, por volta de 1866, ele se casou com Maria Rita da Conceição Carlos. Em 1867 e 1869, nasceram na fazenda Papagaio respectivamente Henrique Carlos Duvoisin e Inês Carlos Duvoisin, ambos filhos do casal. As crianças foram registradas no Consulado Suíço, em Recife, recebendo a nacionalidade do pai. Os dois foram assim, suíços nascidos em Papagaio. Estas informações foram anotadas por José de Almeida Maciel (Pesqueira e o Antigo Termo de Cimbres. CEHM/FIAM, 1980), que descreveu inclusive alguns traços de dr. Constâncio, como ele era conhecido. Segundo o autor:
“Geralmente chamado Doutor Constâncio (não ficou provada a obtenção do diploma), falava vários idiomas e dispunha de conhecimentos aprofundados de Medicina. Redação correta e impecável caligrafia, tudo isto o reputava um afeiçoada das letras.”
Como se percebe, ele era homem diferenciado na época e lugar em que viveu. 
A fazenda Papagaio era bastante extensa e equipada, conforme as mesmas notas de José de Almeida Maciel:
“[…] abrangia um âmbito de 240 braças de largura com o comprimento desde a estrada que vem de Covas até encontrar terras de Riachão (São Bento). Continha casa de vivenda e três outras: de escola, de bolandeira e de prensa; cercados currais e açude. Foram anexadas outras partes adquiridas de Pantaleão Batista Bruno (fazenda Covas), João Gabriel (Papagaio de Cima), Justino e Marcos (Marimbas), Francisco de Goes, José Maurício, Inácio Camilo; uma parte em Salobro e duas outras, Cascavel e Boa Vista, no município limítrofe de São Bento.”
O patriarca Duvoisin deixou, segundo seu inventário, 130 cabeças de gado, 8 cavalares, 80 cabruns e 60 ovelhuns. No inventário constava ainda uma farmácia, mercadorias de estivas, molhados, miudezas e ferragens. Ocorre que o suíço era comerciante. Inclusive, um compatriota eras seu correspondente comercial em Pesqueira: o também suíço Ricardo Caduff.
Outro trecho do inventário apresenta: um relógio de ouro avaliado em 50 cruzeiros (muito caro na época), cadeiras, bancos, mesas, balanças, 3 revólveres, máquina de descaroçar, prensa para ensacar algodão, relógio de parede, prateleiras, balcão, prensa de copiar cartas, óculo de alcance, livros encadernados e em brochura, duas classes para escola, um globo para estudo de geografia e uma caixa de matemáticas.
Percebemos a existência de itens inusitados, inclusive o material escolar.
No inventário aparecem apenas três escravos, poucos para o tamanho da fazenda.
Os filhos de dr. Constâncio deixaram muitos descendentes em Papagaio e em Pesqueira. Na cidade, ainda hoje, encontramos muita gente com seu sobrenome, embora registrado com muitas variações por erro dos cartórios.
Marcelo do Nascimento.
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O Poço Pesqueiro, onde era?


Os escritores que já se aventuraram a contar a história de Pesqueira são unânimes em afirmarque a tão citada fazenda fundada por Manuel José de Siqueira recebeu o nome de “Poço Pesqueiro” em referência aum verdadeiro poço1existente nas proximidades. É unânime também a afirmação de que o poço era usado como lugar de pesca pelos índios da tribo Xukuru, daí o nome de “poço pesqueiro”, pois assim o era.


Quando da fundação da fazenda, Manuel José de Siqueira teria tomado o nome para batizá-la.
Esse é o tipo de informação que vai passando verbalmente de geração para geração, já que, não sendo um bem material e sim natural, não há nada a se registrar em documento oficial. A citação mais antiga na qual aparece o nome do lugar onde a fazenda fora instalada data de 1801 e figura como “sítio Pesqueiro” (1). Trata-se de documento de doação da propriedade a Manuel José de Siqueira feita por seu sogro Antônio dos Santos Coelho da Silva, capitão-mor de Cimbres e proprietário da riquíssima fazenda Jenipapo, hoje território do município de Sanharó.
Em documentos posteriores o lugar aparece ora como “lugar da Pesqueira”, ora como “lugar do Pesqueiro”, dentre outras combinações.
Sabemos que o núcleo da fazenda ficava exatamente onde hoje se localiza o quarteirão da rua Cardeal Arcoverde, que vai da câmara de vereadores à capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens. Algumas construções daquela época continuam de pé como provas inequívocas da localização.
Sobre o local do poço, a maioria concorda que ficava no curso do riacho Santana, que nasce na serra do Ararobá e corre nas proximidades do núcleo do primitivo núcleo da fazenda, hoje nas imediações do Seminário São José. No entanto, existe outra corrente de opinião que afirma ter sido o poço no riacho Salgado, que também corre, hoje canalizado, nas proximidades do antigo núcleo, por traz das antigas construções, onde hoje fica a rua vigário Espinosa. Para estes o poço ficaria, numa localização atual, cerca do antigo complexo da fábrica de doces Tigre.
O principal defensor dessa tese era o padre Frederico Maciel, que desenhou inclusive um mapa dando a localização exata do poço, que, segundo ele, ficava em frente à fábrica Tigre, um tanto à esquerda, na curva do riacho Salgado antes da antiga passagem de Pesqueira (2).
Ainda segundo Maciel, o poço:
Foi totalmente aterrado pelo mesmo riacho carreando detritos e areia, e pelo homem com retraços de folhas de flandres da seção de lataria das fábricas de doce.
O mais interessante da citação de Maciel talvez seja a descrição do poço “em forma de lagoa oblonga e rasa”. Não sei de onde ele tirou essa informação, mas é provável ter ouvido de alguém que tinha conhecimento de sua existência.
Não dá para descartar totalmente essa possibilidade, pois sobre o mesmo assunto há uma história bastante curiosa contada por Napoleão Estanislau, antigo funcionário da Prefeitura Municipal. Ele dizia que o poço pesqueiro devia ficar por perto da antiga Escola Profissional e que ali um poço havia sido aterrado. Ali, certa vez foi encontrado um para-choques de um Ford 1927 ou 29!
Como se vê, parece que realmente existiu um poço naquele trecho do riacho, pois a história de Napoleão Estanislau coincide com a história contada pelo pe. Frederico Maciel (em obra já citada), embora não possamos dar a certeza de que fosse o famoso poço pesqueiro. Como neste caso as fontes orais são um grande apoio para compreendermos os fatos passados, fica o interessante registro.
O que falta de verdade para o poço pesqueiro é se chegar a uma conclusão final sobre sua localização, ao menos aproximada, e se fixar um marco no local. Serviria de guia para o público em geral e para os possíveis pesquisadores.
Marcelo O.N.
24 de junho de 2013, dia de São João.
1Na região, local profundo no curso de um rio ou riacho dá-se o nome de poço.
Referências bibliográficas
(1) Carta do ouvidor-geral da Capitania de Pernambuco ao Rei D. João V. Aquivo Histórico Ultramarino. 27 de março de 1732.
(2) Livro da Criação da Vila de Cimbres (1762-1867). Leitura paleográfia de Cleonir Xavier de Albuquerque da Graça e Costa. CEHM/FIAM. Recife: 1985, pg. 266-267.  
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Ipanema e a Antiga Fazenda Barra

A história de Ipanema começa em 1671. Em dezembro daquele ano o sítio Barra integra a sesmaria doada a Bernardo Vieira de Melo (o velho), Antônio Pereira Pinto e Manuel Vieira de Lemos. Era uma grande porção de terra que ia da Mata ao Sertão, atingindo o centro e o Sul do Agrestei. O centro da sesmaria era a serra do Opi, onde hoje fica a atual cidade de Jupi: “junto ao riacho Lima, correndo para o Sul até a serra do Bocú e da terra do mesmo riacho Lima correndo pelo rio de Ipojuca a Lima de uma banda e de outra até a serra de Tacoaty.”
Antônio Pereira desistiu das terras e as doou a Vieira de Melo, assim como Vieira de Lemos, que também as cedeu, exceto o sítio à beira do Ipanema, onde resolveu se fixar. Isso torna a antiga fazenda Barra a primeira propriedade rural da região de Pesqueira, excetuando-se os currais de João Fernandes Vieira. Podemos dizer então que em dezembro passado a velha fazenda Barra completou 340 anos! Na mesma época era instalada a missão de Ararobá pelo Pe. João Duarte do Sacramento exatamente no lugar que mais tarde viria a ser a vila de Cimbres.
O sítio Barra ganhou esse nome por nele ficar localizada a barra dos rios Ipaneminha e Frecheira, formando o rio Ipanemaii, que depois “rebatizaria” a própria localidade.
Em fins do século XVIII entra na história do sítio Barra o famoso capitão André Cavalcanti, que também assinava André Arcoverde, bisavô no notável Cardeal. Naquela época ele adquiriu o sítio a José Vieira de Lemos, onde veio então a residir. Não consigo precisar a data, mas creio que foi por volta de 1796 ou 1797, conforme informações de José de Almeida Macieliii. Com certeza, em 1809, há anos ele já vivia lá, pois foi na sua fazenda que faleceu sua esposa, dona Úrsula Jerônimaiv
Foi em 1909, com a passagem dos trilhos da antiga Great Western, que o sítio Barra teve seu nome mudado para “Ipanema”v, o mesmo nome da estação ferroviária construída.
Não encontro, até o momento, nenhuma informação precisa sobre a localização da antiga casa grande da fazenda. Em conversa com alguns moradores de lá, percebi controvérsias. Sobre a capela, os moradores mais velhos afirmam que a existente é a original. A informação tem sentido, pois Zeferino Galvão (em obra já citada), afirma que em 1920 Ipanema tinha 2 casas, 20 moradores e a capela de São Joaquim. Ora, que sentido há na construção de uma capela pública por parte da Igreja numa comunidade na época tão pequena? De fato ela devia vir da fazenda, tendo sido então uma capela particular.
Sobre o seu orago, Zeferino Galvão afirma que era São Joaquim (em 1920), mas o atual, como é notório, é N. Sª da Conceição. Em conversa com Pe. Eduardo Valença fiquei sabendo que houve reforma na capela em alguma época e que não há quaisquer informações sobre a existência da imagem de São Joaquim, fato comprovado pela fotografia do altar feita por Roseane Brito.
O povoado de Ipanema fica num lugar muito agradável, favorecido pela natureza ao redor. O povo é simpático e hospitaleiro. O lugar tem muita história, teve uma importância política muito grande no século XIX, lá ainda existem algumas casas antigas bem conservadas. Falta divulgação e cuidado, falta reconstruir a velha estação ferroviária, reativar a linha entre Sanharó e Mimoso para um passeio histórico passando por lá. Para alguns uma grande besteira, para outros um sonho enorme.
Por Marcelo Oliveira do Nascimento.

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Agradecimentos a Roseane de Carvalho Brito pela fotografia do altar da capela.
FONTES:
iBARBALHO, Nelson. Caboclos do Urubá. FIAM/CEHM. Recife, 1977. Pg. 40.
iiGALVÃO, Zeferino. Antologia. Governo de PE. Recife, 1924. Pg. 99.
iiiMACIEL, José de Almeira. FIAM/CEHM. Recife, 1980. Pg. 137.
ivFonte citada no item anterior.
vZeferino Galvão, fonte já citada.

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