Remontando a Fazenda Poço Pesqueiro

Casa grande de Poço Pesqueiro em antiga fotografia
O COMEÇO

Uma fazenda: Poço Pesqueiro; um ano: 1800, um nome: Manuel José de Siqueira. Esse é o resumo popular sobre o embrião da cidade de Pesqueira, conhecido pela maioria dos seus cidadãos, mas sobre isso há muito o que dizer, a história não é tão simples como é contada.

Manuel José de Siqueira era um sertanejo que naquela época tinha o título de  capitão-comodante e depois de sargento-mor, só mais tarde se tornaria capitão-mor. Sua ligação com Cimbres já vinha de data anterior a 1800, pois ali tinha efetiva atividade política, sendo aquela a mais importante povoação da região. No entanto, seu nome é hoje mais ligado à sua fazenda, tendo suas outras atividades esquecidas, ou até desconhecidas, pela maioria. Segundo Nelson Barbalho (Caboclos do Urubá, 1977), Siqueira era rude, duro e ganancioso. Naquela época o título de capitão-mor de Cimbres era de Antônio dos Santos Coelho da Silva, homem que acabou tornando-se seu sogro. Coelho era um dos homens mais ricos de Pernambuco, influente não apenas em Cimbres, mas em toda a província. Era senhor da Fazenda Jenipapo, propriedade gigantesca que chegou a contar com mais de 400 escravos. As qualidades do capitão, que era pai apenas de moças, não tendo qualquer filho varão, atraiam os olhos de homens em busca de dinheiro e prestígio. Assim, Manuel José de Siqueira, ao casar com a filha mais velha do capitão, Clara Coelho dos Santos, ganhou como dote uma porção de terra na qual no último ano do Século XVIII resolveu edificar sua fazenda.

O ano de 1800, quando Poço Pesqueira fora edificada, é citada por Pereira da Costa, data essa repetida por Nelson Barbalho, José e Gilvan de Almeida Maciel, sendo então de razoável aceitação, embora fontes oficiais nunca sejam citadas. O mesmo pode ser dito sobre o nome da propriedade.

É interessante observar a citação de Pereira da Costa (Anais Pernambucanos, X, 80-81):,

“A povoação de Pesqueira, hoje cidade, teve por origem uma fazenda pastoril situada em 1800 pelo capitão-mor Manuel José de Serqueira, ao sopé da serra do Ororobá ou Cimbres; e descendo desta serra uma volumosa torrente, que na sua base forma uma grande lagoa, em outros tempos, prodigiosamente piscosa, veio daí a sua denominação de Poço da Pesqueira, e depois simplificada em Pesqueira, como assim foi chamada a referida fazenda.”  

Apesar de alguns enganos cometidos por Pereira da Costa, como ao citar “serra do Ororobá ou Cimbres”, é inegável a credibilidade de seu trabalho. Então podemos remontar com segurança Poço Pesqueiro a partir de 1800. E sobre o mesmo assunto Nelson Barbalho (Cronologia Pernambucana, volume 9) informa:

“E assim chegado o seu término o século XVII, decide MANUEL JOSÉ DE SIQUEIRA fixar residência nas proximidades da fazenda de seu abastado sogro, escolhendo para isso o trecho mais fértil de suas terras no Ararobá, aquele próximo do caminho das boiadas e rente ao poço de pescaria abundante, e de logo transformando a sua propriedade agropastoriul  numa das melhores e mais movimentadas da região, com muitos currais de gado forte e bonito, roças de milho e feijão, enorme casa-de-farinha, rude maquinismo de descaroçar algodão, imponente casa senhorial, casa-de-hospedagem, senzala, capela, depósitos diversos.”  
(grifos do autor)

E continua:

“Já no apagar das luzes de 1800, portanto, surge a fazenda, quase povoação do Poço da Pesqueira…” 
(grifos do autor)

Diante desse apanhado inicial de informações é possível concluir quando e como começou a fazenda, inclusive como recebeu seu nome. No entanto, é necessária uma observação a cerca da construção da capela da fazenda no que diz respeito à data. É possível encontrar citações que apontam para sua construção em 1802 e em 1822. Até historiadores pesqueirenses consagrados já citaram as duas datas em suas obras. 
Mais uma vez não há fontes seguras nas quais possamos conseguir tal informação com precisão, mas é possível deduzir que o ano correto é 1802. Pereira da Costa (Anais Pernambucanos, X, 80-81) diz que “Fundada a fazenda, construiu Serqueira várias casas para a gente do serviço, levantou uma capela sob a invocação de N.S. Mãe dos Homens ,para os exercícios religiosos da família…”. O autor não cita datas para cada construção do complexo, mas dá a entender que não sabia nada a respeito do espaço de tempo de 22 anos entre a fundação da fazenda e construção da capela. E ainda, o maior expoente em História e Literatura de Pesqueira, Zeferino Galvão, diz (Antologia, 1924) que  a capela foi mesmo erguida em 1802.

Também é provável que a construção, bastante simples inclusive, tenha se dado em seguida às demais, não havendo motivo para tal espera. Mas, ainda outro fato relevante que nos leva a crer que a citação do ano de 1822 trata-se de um equívoco copiado por vários autores (em impressos e na Intenet), é a luta entre Manuel José de Siqueira e Francisco Xavier Paes de Melo Barreto pelo título de capitão-mor, que naquele ano estava a todo vapor, sendo pouco provável que Siqueira fosse se ocupar com outra coisa que não fosse em reuinir forças para derrotar seu inimigo político.

Poço Pesqueiro era de fato um complexo magnífico, não sendo uma fazenda qualquer. Hoje está mais do que comprovado que Siqueira a tenha planejado para ser o centro político de Cimbres, trazendo o poder para dentro de seus domínios.  A própria fazenda Jenipapo, do seu poderoso sogro, era bem mais simples. Seu progresso foi tão grande que, apenas 36 anos depois de sua fundação, foi declarada vila e séde da Comarca de Cimbres, um fenômeno de desenvolvimento sem precedentes. Segundo José de Almeida Maciel (A Voz de Pesqueira, 01/09/1952), em 1880 Pesqueira já contava com 300 casas de pedra e cal, além de vários casebres, fora toda a estrutura política e comercial que vinha de décadas.

POÇO PESQUEIRO HOJE
Um dos assuntos recorrentes numa cidade histórica é a preservação de suas construções. O embrião de Pesqueira, ou pelo menos parte dele, hoje forma o quarteirão mais antigo da cidade. No final do quarteirão a casa grande erguida em 1800 continua de pé, assim como o sobrado vizinho, que passou anos abandonado mas foi recuperado recentemente. No começo do quarteirão ainda estão de pé a capela de N. Sr.ª Mãe dos Homens e mais dois sobrados contíguos, da mesma época. Porém, sobre estas três últimas construções é necessário fazer uma ressalva: os mesmo foram alterados. Para alguns isso pode ser decepcionante, mas é  fato, tanto a capela quanto os dois sobrados sofreram alterações significativas. As reformas em questão de deram em 1919, quando Dom José Lopes assumiu a recém criada diocese. Sua intenção foi de tranformar o conjunto na cúria diocesana, sede de seu episcopado. Assim, tratou de remodelar a capela e de unir as fachadas dos dois sobrados, tornando-os aparentemente numa construção única, que abrigaria o seu palácio. Para melhor explicação (e prova!), observar as fotos abaixo:

Foto 01

A foto 01 mostra (embora com baixa qualidade) claramente, da esquerda para a direita, os dois sobrados originais e a capela com porta central e duas pequenas janelas no topo, além de uma estreita dependência lateral. Luiz Wilson (Ararobá, Lendária e Eterna, 1980) comenta sobre ela:

“Conta-se ainda que a antiga capelinha lembrava a da Fazenda Jenipapo, do também Capitão-Mor do Ararobá Antônio Santos Coelho da Silva, sogro de Manuel de Siqueira. Era uma capela colonial, sem torre, pequenina, mas com um imenso patamar, e o sino, para chamar os fiéis à prece e as suas festas (.) ficava em uma janela, no alto, no frontão da Igrejinha. Atrás ou a um lado da capela, o cemitério da vilazinha, o primeiro “campo santo” de Pesqueira.”
(pontuação minha)
Ainda sobre a capelinha, Luiz Winson comenta na mesma obra, ao falar da igreja de São Sebastião (que fica no bairro da Baixa):
“Em Pesqueira, diz-se que o seu sino é o que pertenceu à Capelinha de Nossa Senhora Mãe dos Homens, daqui a alguns anos duas vezes secular. Dom José Lopes, quando reformou esta última Igrejinha, transformando-a e sua Capela Episcopal, ao chegar à sua nova Diocese, não se mandou buscar ou se trouxe outro sino da Europa, guardando o antigo, ainda do tempo do Capitão-Mor do Ararobá, Manuel José de Siqueira, doando-o três ou quatro anos mais tarde para a Igrejinha de São Sebastião.”
Dom José Lopes pôs então a torre central, além de belos detalhes em todo o seu exterior. 
Infelizmente desconheço foto de melhor qualidade que mostre a capela em sua forma original, mas é possível perceber sua semelhança com a capelinha de Jenipapo (ver figura 02)
Figua 02 (Capela em Jenipapo)
Foto: Marcelo Tomaz de Oliveira

  

Dos dois sobrados há uma foto perfeita (ver foto 03), na qual, infelizmente não aparece a capela ao lado. Comparando-se com a atual cúria (foto 04) fica fácil identificar as mudanças e a união das fachadas.
Foto 03

Entre a Cúria e o a atual Câmara de Vereadores (casa grande) há outras casas, aparentemente de época remota, inclusive a casa na qual nasceu o historiador José de Almeida Maciel, mas no momento desconheço fontes que indiquem de que época são de fato. É sabido apenas que na época da reforma da capela, tais construções estavam lá como estão ainda hoje.

Foto 04 (complexo atual, capela e sobrados unidos)
Foto: Luiz Antônio Mandu
Foto 05 (casa grande na atualidade)
Foto: Marcelo Tomaz de Oliveira

Na foto 05 é mostrada a antiga casa grande como encontra-se hoje: intacta. Na figura 06 aparece também um dos sobrados da fazenda, que ficou abandonado durante anos, chegando a estado avançado de deterioração, mas anos atrás sofreu uma grande reforma e recuperação.

Foto 06 (à esquerda da casa grande, sobrado recuperado)
Foto: Marcelo Tomaz de Oliveira
Por enquanto parece-me suficiente o explanado. É claro que o assunto não está esgotado, ainda há muito a ser mostrado, discutido. Fora os inúmeros detalhes que não foram tratados, este resumo dá uma idéia geral  sobre a fazenda Poço Pesqueiro, assunto a qual voltarei em momento oportuno.
Muitas dúvidas ainda permanecem.

MyFreeCopyright.com Registered & ProtectedLicença Creative Commons


Este artigo pertence ao Pesqueira Histórica.